20170912

Secos, molhados & revisitados

Desde que largou os Titãs, em 2010, Charles Gavin andava sossegado. Continuava envolvido com música à frente do programa O Som do Vinil (Canal Brasil) e coordenando a reedição de álbuns fora de catálogo de artistas nacionais, uma rotina tranquila se comparada à agenda como baterista de uma das formações mais icônicas do rock brasileiro. Até bater a saudade de estar em uma banda novamente – o que o levou a montar o Primavera nos Dentes, projeto de releituras dos Secos & Molhados que acaba de sair em disco.

— A ideia surgiu da vontade de voltar aos palcos. Mas fazer o quê? Tocar Titãs seria legítimo, mas poderia ser mal-compreendido, falarem que eu estava fazendo cover de mim mesmo — explica ele, por telefone, de sua casa no Rio de Janeiro.

A solução foi encontrada em um repertório com que o próprio Gavin já havia lidado em 1999, ao remixar a versão digital dos dois LPs do antigo grupo de Ney Matogrosso. Lançados originalmente em 1973 e 1974, ambos conseguiram um sucesso sem precedentes, chegando a superar campeões de vendas como Roberto Carlos. Em plena ditadura, lá estava aquele figura de sexualidade ambígua, rosto e corpo pintados, saracoteando na sala de estar do cidadão de bem.

— Lembro que tinha 12, 13 anos. Quando começaram a aparecer na TV, foi um fenômeno. Da criança a vovó, todo mundo gostava. Era provocativo, mas tão diferente que não tinha como a censura proibir. Entre a minha geração, eles são uma unanimidade. Quando tive certeza de que essa música era importante – e não só para mim – ficou claro o que eu faria — diz.



Definido o alvo, Gavin passou a recrutar os futuros companheiros. Para a guitarra, chamou Paulo Rafael, integrante do lendário grupo pernambucano Ave Sangria e há mais de quatro décadas diretor musical da banda de Alceu Valença. Com ele, veio o baixista Pedro Coelho, egresso do musical sobre Cássia Eller. A cantora gaúcha Duda Brack assumiu os vocais e, para completar o time, trouxe o violinista e guitarrista Felipe Ventura, da cena independente carioca. O nome surgiu de uma música dos Secos & Molhados.

— Pois é, alguém nos avisou nas redes sociais que em Florianópolis também havia um Primavera nos Dentes, foi uma coincidência.

A intenção inicial, confessa o ex-titã, era reproduzir a obra dos homenageados com a máxima fidelidade. No entanto, após alguns ensaios, o quinteto percebeu que algo não estava funcionando. Os timbres, a tecnologia e o contexto afastavam o resultado do que ele realmente se propunha. Ou, como admite Gavin, “parecia uma banda cover, tudo o que a gente não queria, que era honrar os Secos & Molhados”.

— Aí partimos para a recriação. Mantivemos a poesia, mas os arranjos são nossos. De “O Vira”, por exemplo, restou apenas o refrão. Delírio” é outra: mostramos para o coautor da música, Paulo Mendonça (que também assina “Sangue Latino” e “O Doce e o Amargo”) e ele entrou em um transe tamanho que não reconheceu nem a letra que havia escrito.

De fato, as 11 faixas revisitadas parecem até autorais, com todos os riscos embutidos em mexer em um repertório clássico. Segundo Gavin, quem poderia reclamar – Ney, Gerson Conrad e os demais integrantes do grupo –, aprovou as transformações. Com a bênção dos autores, o Primavera nos Dentes agora se prepara para ganhar os palcos.



Geração na ativa
Outros artistas associados aos anos 1980 que estão com discos novos na praça

Paulo Miklos, A Gente Mora no Agora
Este é o terceiro disco de Miklos, mas o primeiro após a saída dos Titãs, no ano passado. Por isso, ele encara A Gente Mora no Agora como uma estreia – e foi com tesão de principiante e experiência de veterano que se cercou de um monte de gente para celebrar a música brasileira nas mais variadas vertentes. A presença de parceiros de gerações tão diferentes contribui para a diversidade do álbum, mas também se reflete na irregularidade. Entre acenos a questões contemporâneas e resquícios de “MPB universitária”, o artista que já releu Noel Rosa no projeto Quinteto em Branco e Preto e interpretou Adoniran Barbosa no cinema se dá melhor quando investe em baladões românticos, como “Estou Pronto” (composta com Guilherme Arantes), “Todo Grande Amor” (com Silva), “Princípio Ativo” e “Risco Azul” (ambas com Céu).



Paralamas do Sucesso, Sinais do Sim
Cada álbum depois do acidente de ultraleve que deixou o guitarrista e vocalista Herbert Vianna paraplégico em 2001 é uma vitória, o que talvez justifique o otimismo que transborda do 21º disco do grupo já a partir do título. O sucessor de Brasil Afora (2009), no entanto, não traz tantos indícios assim para o ouvinte acreditar em um futuro melhor – pelo menos no que diz respeito à banda. O rock que o trio tinha a manha de conjugar com outros estilos como ninguém para forjar uma sonoridade brasileira aparece de forma convencional, muito aquém do já apresentado em trabalhos anteriores. Os ritmos afrocaribenhos, outro ponto forte nestes 34 anos de carreira, empalideceram (vide “Itaquaquecetuba” e “Sempre Assim”). Aí, nem a produção de Mario Caldato (Beastuie Boys) consegue dar jeito.



(coluna publicada hoje no Diário Catarinense)

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