20170607

Você coloca e o mundo fica malucão, diferente do que é

Tudo bem, o brasileiro sempre gostou de psicodelia na música. Basta notar a quantidade de drogas nas paradas de sucesso, hahaha. Sério, de uns tempos para cá bandas que propõem percepções extrassensoriais tem brotado na cena nacional como cogumelos em ambiente úmido e quente. O mais novo fruto desse jardim caleidoscópico chama-se My Magical Glowing Lens, que está estreando em disco com Cosmos. O barato chega neste sábado (10) a Florianópolis, onde os capixabas se apresentam como uma das atrações do 2º Festival Saravá de Cultura Independente.

— Identifico a psicodelia como o movimento da música que luta por igualdade, por uma elevação da alma. Quem faz quer adentrar em algumas coisas que a gente esqueceu, que não entra mais porque fica muito na superficialidade — descreve via celular a guitarrista e vocalista Gabriela Deptulski, uma filósofa que trocou a academia por acordes e versos.



A moça de 28 anos criou o My Magical Glowing Lens após ouvir Tame Impala, os australianos que ajudaram a reconverter a lisergia sonora em tendência. No caso, houve ainda uma razão de ordem prática: se Kevin Parker conseguia fazer aquilo tudo sozinho, ela também poderia tentar. Com microfone de notebook mesmo, começou a gravar. Primeiro bateria, depois guitarras, voz e baixo. A ideia era “criar música para quem gosta de buscar algo além da matéria, um aparato que instigasse esse tipo de pensamento, de libertação”. Daí as tais “brilhantes lentes mágicas” do nome.

— Você coloca e o mundo fica malucão, diferente do que é.

De fato, o incauto viajante põe Cosmos para rolar e se impressiona. As 11 faixas se desenrolam mais fluidas e densas do que as quatro contidas no EP que Gabriela soltou em 2013, quando ainda tinha somente seus insights como companhia e o inglês como idioma das letras. A incorporação de um baixista, um baterista e um tecladista a deixou solta para se aprofundar nos climões que embalam “Sideral”, “Raio de Sol” ou “Tente Entender”. Lá pelo finalzinho, “Supernova” até ensaia dar uma aloprada, mas o tom geral é de transe e bonomia, sem chance para bad trips.

— Não sei nem aonde quero ir, quanto mais aonde chegar. Vamos continuar fazendo música da forma mais bonita, mais sincera possível. A música é muito transformadora nesse sentido, de fazer a gente enxergar coisas que não veria de outro jeito — afirma.

O discurso seria pertinente em qualquer situação, mas torna-se mais oportuno diante do obscurantismo medieval vigente. Junto com expoentes como Boogarins, Supercordas, Tagore ou Bike, o My Magical Glowing Lens se alinha ao bloco de artistas que, entre a descrença e a alienação, adota um caminho que, “querendo ou não, é uma forma de protesto, mesmo não tendo letras políticas”. Ou, como acredita a musicista, “quando você fala de liberdade, já está protestando contra algo que lhe foi imposto”.

(coluna publicada hoje no Diário Catarinense)

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