20170531

Dois brasileiros que não desistem nunca

Depois de muita onda e pouco caldo, o Brasil-il-il volta a impor presença na playlist de 2017. E com dois discos de uma vez, sinal inequívoco de que as instituições estão funcionando. Um é Galanga Livre, de Rincon Sapiência. Outro é Boca, de Curumin. Ambos de São Paulo, relativamente conhecidos – somente e olhe lá – pelo nicho que se informa sobre música. Aqui mesmo no jornal, lugar de gente jovem & conectada, seus nomes despertam reações desencontradas. “Curumin apareceu como dica para mim no Spotify, vale?”, consulta uma colega. “Rincon Sapiência, massa”, confirma outra.



Danilo Albert Ambrosio, o Rincon Sapiência, está no radar pelo menos desde 2010, quando despontou com “Elegância”. Daí em diante, assinou com o selo do produtor Rick Bonadio, faturou algum (é o que se espera) estrelando comercial da Caixa e, entre um corre e outro, ia soltando suas rimas a conta-gotas. Afastou-se do profissional que revelou Mamonas Assassinas, Charlie Brown Jr. e NX Zero sem lançar o aguardado disco cheio, com uma pá de faixas para a moçada. Só agora, dirigido por William Magalhães (Banda Black Rio), ele estreia com um álbum completo para chamar de seu.

A lenda do nobre africano Galanga, tornado Chico Rei depois de capturado e vendido como escravo, abre a contenda via “Crime Bárbaro”. A impressão é de que o dedo na cara vai imperar, até o groove tomar conta em “A Volta pra Casa”. Tem espaço inclusive para romantismo, embalado por “A Noite É Nossa” e “Amores às Escuras”. Somadas a singles que já vagavam por aí, como “A Coisa Tá Preta” (uma das melhores do ano passado) e “Ponta de Lança”, perfazem um disquinho bastante palatável, em que a maior virtude – não se limitar à ladainha monocórdia – é também a maior fraqueza: como cantor, o rapper fica devendo.



Luciano Nakata Albuquerque, o Curumin, surgiu em 2005 atirando para diversas direções. A sonoridade contemporânea movida a samba torto, bossa nova errada e reggae de bamba de seus três trabalhos anteriores lhe renderam elogios da crítica e brodagens na gringa. Em um mundo menos imperfeito, teria ficado mais popular a partir de 2011 com “Compacto”. Do hit que não vingou ao estágio atual, pouca coisa se alterou. Continua não havendo nenhuma razão concreta para ele acreditar que desta vez será diferente, apesar da inegável vocação pop soterrada pelo conceito de sua nova empreitada.

Para descobri-la de graça, é necessário superar uma série de incursões que desmontam o formato canção, tão modernas quanto impenetráveis – andar demais com Ava Rocha, que ainda assina a capa, dá nisso. Felizmente, o baterista faz-tudo acerta a mão nas jamaicanas “Boca de Groselha” e “Prata, Ferro, Barro”, mantém a vibração lá no alto em “Terrível” e atinge o baixo ventre com precisão em “Boca Cheia”. Pesando tudo na balança, é grande a probabilidade de eu chegar a dezembro tendo ouvido bem mais Curumin do que Rincon Sapiência. Mas isso não é uma competição, né? E eu adoro minhas colegas.

(coluna publicada hoje no Diário Catarinense)

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