20161101

Inocência perdida

As opções sonoras para um jovem brasileiro na virada de 1970 para 1980 eram de uma mesmice de dar dó. Em 1977, ano mágico para o punk mundial, a lista dos discos mais vendidos no Rio de Janeiro e em São Paulo refletia o marasmo. Ao lado do indefectível Roberto Carlos, figuravam trilhas de novelas, sambistas e Elton John. Diante desse cenário nada animador, restavam duas alternativas: a resignação ou a revolta. É da segunda que trata o recém-lançado Meninos em Fúria e o Som que Mudou a Música para Sempre, leitura imperdível sobre um momento de transição não apenas da cultura pop, mas também da política no Brasil.

Os meninos são dois personagens que viveram intensamente aquela época. Um, Marcelo Rubens Paiva, branco, filho de classe média alta, ainda se acostumando com a realidade em cima de uma cadeira de rodas. Outro, Clemente Tadeu do Nascimento, negro, criado na periferia e desde cedo envolvido com guerras de gangues. Os caminhos de ambos se cruzam em 1982, em um show na PUC paulistana. Na plateia, o “cadeirante doidão”. No palco, o baixista de uma banda que surgiu para “pintar de preto a asa branca, atrasar o trem das onze, pisar nas flores de Geraldo Vandré e fazer da Amélia uma mulher qualquer”.



A fúria se traduzia na negação do passado, desencanto com o presente e niilismo quanto ao futuro. O som que mudou a música para sempre era o punk rock que Marcelo descobria e Clemente, à frente dos Inocentes, praticava. Intercalado com experiências pessoais dos dois, o livro mostra como o movimento foi ganhando corpo em paralelo com a agonia da ditadura que terminaria em 1985, até ser absorvido pelo mercado. Mas aí o estrago já estava feito, por mais que as parada atuais desmintam isso. Afinal, hoje ninguém mais liga para elas.

Que entre o pop
O Two Door Cinema Club despontou ali pelo final dos anos zero-zero, no levante dance-rock que encheu de guitarrinhas a música direcionada às pistas. O grupo voltou para a irrelevância com ao menos um hit na bagagem, “Something Good Can Work” – que chegou a ganhar uma antológica versão eletrobrega da Banda Uó. Eis que, quando nada mais se esperava dos irlandeses, eles reaparecem com o surpreendente Gameshow. Em comparação com os anteriores, neste terceiro terceiro disco o trio assume-se mais pop, investindo em refrãos que grudam à primeira audição (“Are We Ready”, “Bad Decisions”, “Ordinary”) e ameaçam fazer companhia único sucesso do grupo.




 ANÇAMENTOS



Murilo Mattei, Tristes Texturas Alegres Trópicos – Ex-Vinolimbo, Murilo Mattei cercou-se de um notebook, um teclado e um celular em sua base em Florianópolis para produzir o que chama de “ode aos brasileiros”. Espécie de jam solitária, o disco desfila timbres, cadências e referências que se desenrolam entre a contemplação e desconforto.



Slaves, Take Control – O segundo disco dos espoletas ingleses promove aquela saudável balbúrdia que tanta falta faz no pop atual. A novidade é a produção do beastie boy Mike D, que desencavou seu passado hardcore para engordar um som que já era barulhento por natureza – e, não contente, ainda participa de “Consume or Be Consumed”.



(coluna publicada hoje no Diário Catarinense)

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