20161018

Sua arte, suas regras

Durou pouco o envolvimento de Norah Jones com a cultura alternativa – mais precisamente, um disco. Para satisfação de uns, decepção de outros e surpresa de todos, o novo álbum, Day Breaks, traz a cantora de volta ao seu habitat natural. A despeito da merecida repercussão obtida pelo sensacional Little Broken Hearts (2012), no qual o flerte com outras sonoridades avançou pelo visual com a adoção de uma inesquecível franjinha, o sexto lançamento retoma a trilha aberta pela estreia Come Away with me (2002): jazz contemporâneo, tão cômodo quanto a zona de conforto de onde ela quase nunca saiu.



O que a levou a abandonar uma carreira promissora como diva indie e reencontrar o antigo estilo com que despontou é daqueles mistérios que só as idiossincrasias da arte justificam. O fato incontestável é que Norah Jones sente-se em casa martelando doces canções ao piano. Primeiro, porque ninguém estranha quando sua voz abre o trabalho com a suavidade de “Burn”. Segundo, e mais importante, porque enquanto sua incursão anterior contava apenas com o produtor Danger Mouse a lhe respaldar a escolha, em Day Breaks a credibilidade jazzística que ela já tem é reforçada pela presença dos gigantes Wayne Shorter e Lonnie Smith.

Mais do que um “retorno às raízes”, estamos diante de uma artista à vontade para entrar em uma onda e, curtindo ou não, partir para outra. Seu único compromisso é consigo mesma, seja para acenar às rádios adultas com soft pop em “Tragedy”, ensaiar uma acelerada com “Flipside” ou cometer uma versão de Neil Young (“Don't Be Denied”). Musa, dessas de atiçar hormônios adolescentes, ela nunca foi mesmo. Muito menos hipster. Aos 37 anos e mãe de dois filhos, seu melhor papel é o que decidir desempenhar na hora em que bem entender. O jazz sempre estará de braços abertos para recebê-la.

Mulheres de fases
As mulheres estão no comando. Querem mais, querem melhor, querem tudo & querem agora. Portanto, renda-se ao Warpaint, grupo californiano formada por quatro moçoilas no Dia dos Namorados (no calendário dos Estados Unidos, 14 de fevereiro) de 2004. A fofura termina na data de nascimento: o som delas nada tem de delicado ou outro adjetivo automática e preconceituosamente associado à feminilidade. O recém-lançado quarto disco, Heads Up, até dá uma aliviada, embora siga sem concessões ao apelo do pop fácil. “New Song” é a faixa que mais se aproxima de um hit, em meio a um álbum no qual microfonias, ruídos e vazios dispensam peso e/ou velocidade para impressionar. As garotas estão longe de serem perfeitinhas, mas encantam com sua complicação.




 ANÇAMENTOS



Emanuelle Araújo, O Problema É a Velocidade – Conhecida por seu trabalho como atriz, a baiana de 40 anos (também vocalista da banda Moinho e da Orquestra Imperial) estreia em disco no limite entre o pop e a MPB. Como tudo o que se pretende muito eclético, corre grande risco de não agradar os fãs de um nem de outra.



Drugdealer, The End of Comedy – O projeto do americano Michael Collins não tem esse nome à toa. Leve, orgânica e curtida sob o sol de Los Angeles, a psicodelia do “traficante de drogas” vai da pompa ao minimalismo, deixando o ouvinte intrigado com baladas agridoces como “Sud­denly” ou “Easy to Forget”. A participação do não menos experimental Ariel Pink nessa última diz muito sobre a empreitada.



(coluna publicada hoje no Diário Catarinense)

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