20160628

Os cinco melhores discos do ano até agora


Mas já? Pois é, mal a gente começou a se acostumar com os solavancos da impermanência e 2016 já se encaminha para a sua segunda metade. Ciente do importante papel social que cumpre, esta coluna presta mais um serviço de utilidade pública e guia você na miríade de lançamentos que pululam por aí. É bastante provável que até dezembro a opinião mude, mas até agora os cinco discos que tornaram o ano menos penoso seguem abaixo (em ordem alfabética):

Baiana System, Duas Cidades | Poucos conseguem traduzir o multiculturalismo musical do Brasil como o coletivo de Salvador surgido em 2009 para “modernizar o passado amplificando as tradições populares”. Em doses generosas ou sutis, aparecem frevo, kuduro, pagode, samba-reggae, ijexá e ritmos afrolatinos, embalados por letras em sua maioria políticas e batidões abissais. OUÇA: “Bala na Agulha”, “Playsom”, “Calamatraca”.



Céu, Tropix | No quarto disco, a cantora transita por diversos estilos sem nunca perder a naturalidade nem torná-los excludentes. Ela entra e sai de quaisquer ondas, filtrando de cada uma delas só o suficiente para encorpar sua personalidade artística, jamais para diluí-la. MPB, pop, eletrônico, brega, retrô, futurista: tudo constrói uma unidade que passa longe do ecletismo forçado. OUÇA: “Camadas”, “Chico Buarque Song”, “Perfume do Invisível”.



The Last Shadow Puppets, Everything You’ve Come to Expect | Encarado como “o outro grupo do carinha dos Arctic Monkeys”, o projeto paralelo ganha ares de atividade principal neste segundo álbum. Nele, Alex Turner expõe facetas que talvez não tivessem espaço na banda matriz, ora soando meigo, ora exercitando toda a canastrice. OUÇA: “Miracle Aligner”, “Dracula Teeth”, “Everything You’ve Come to Expect”.



Mayer Hawthorne, Man About Town | O soul dos anos 1960 é tão forte no som e no visual do cantor americano que nunca se sabe se é sério ou tiração de sarro com a onda vintage. Branco, com cara de nerd e dono de um falsete de espremer os olhos, ele apresenta o quarto disco sem fazer nenhum esforço para acabar com a dúvida – que, a essa altura, já se tornou irrelevante. OUÇA: “Lingerie & Candlewax”, “Cosmic Love”, “Fancy Clothes”.



Radiohead, A Moon Shaped Pool | Apenas mais um trabalho difícil de um grupo que não se esforça para agradar? Nem tanto. Por trás da suposta cabecice há melodias doces que partem do folk para forjar uma paisagem aridamente bela. A sensação de placidez torna o álbum quase acessível a ouvidos pouco afeitos às provocações estéticas já experimentadas pela banda inglesa. OUÇA: “The Numbers”, “Ful Stop”, “Identikit”.



(coluna publicada hoje no Diário Catarinense)

20160621

Pimentas com gosto de açúcar

Você sabe que a velhice chegou quando acha o 11º disco dos Red Hot Chili Peppers pão-com-molho demais e um colega bem mais moço o considera o melhor álbum da banda. Ambos têm boas razões para avaliar o recém-lançado The Getaway desse jeito. Um tem como referência a primeira década do grupo, identificada por grooves, mau comportamento & hábitos ainda piores. O outro conheceu o quarteto já em adiantado processo de aerosmithzação – ou seja, só emplacando baladas – e, com a falta de curiosidade típica de sua faixa etária, pensa que foi sempre assim.



O leitor imberbe e a leitora pubescente podem não se interessar em saber, mas é inegável o embranquecimento da banda ao longo dos anos. Daqueles tempos de funk (o legítimo, não o carioca), não ficou nada de sangue nem de sexo e muito menos de magia. A matriz negra foi desaparecendo aos poucos até que sobrasse somente açúcar em doses cada vez mais cavalares a partir de Californication (1999). Isto posto, não há dúvida de que The Getaway é o trabalho em que os Chili Peppers transitam com mais desenvoltura desde que empalideceram. Em suma, é o melhor dos piores discos do grupo.

Com Danger Mouse (Gnarls Barkley, Broken Bells) na produção, as pimentas finalmente se encontraram no mundo inofensivo que escolheram habitar. Nas mãos do produtor, o instrumental ardente que não combinava com a proposta foi enquadrado. Tudo soa mais contido, sutil, à feição das melodias doces de “The Longest Wave” ou “Sick Love”. Um tantinho de veneno, apesar da diluição, é sugerido apenas em “Go Robot”. Mesmo assim, com a devida “customização” para as novas gerações não se apavorarem com o que restou de picância.

Um axé para a melancolia
Catarinense radicado em Maceió, Wado vem aí com Ivete, seu “disco de axé”. Calma lá: é que o novo trabalho tem muito de guitarra baiana, com certeza mais animada do que o tom meio melancólico que pontuou as incursões anteriores do artista. Pela amostra que já está circulando do disco, o single “Alabama”, o papo é sério. Embora não fique deslocada dentro do que ele vem apresentando desde que surgiu com o até hoje imbatível Manifesto da Arte Periférica (2001), a canção traz uma levada samba-reggae pronta para descer o Pelourinho. O toque pessoal vai na letra. Em vez de levantar poeira, versos como “sangue nas folhas, sangue na raiz” remetem a “Strange Fruit”, o clássico anti-racismo cantado por Nina Simone.




 ANÇAMENTOS



Graveola, Camaleão Borboleta – Com influências que vão de ritmos regionais a Novos Baianos, de pop a psicodelismo, os mineiros justificam os mimetismos do réptil que batiza o disco. O outro bicho do título surge quando esses elementos todos são transformados em algo que dá liga ao trabalho, como “Back in Bahia” e “Maquinário”.



Rough Guide to Brazilian Jazz – Coletâneas do gênero costumam ser uma armadilha: ou caem no lado mais batido da bossa nova ou trazem algum sambinha com cara de macumba para gringo. Essa também derrapa, mas se salva por trazer um panorama da cena nacional do estilo com base no trabalho de gente esperta como Tulipa Ruiz, Bixiga 70 e Juçara Marçal.



(coluna publicada hoje no Diário Catarinense)

20160614

O rock ainda pulsa

Quando o festival Monsters of Rock divulgou a escalação da edição brasileira do ano passado, foi aquela correria para saber que p* era o tal do Rival Sons. Em meio a barracudas históricas como Ozzy Osbourne, Judas Priest e Motörhead, esse nome não passava do bagrinho pronto para ser devorado pelas hostes metálicas que frequentam o festival. Menos de meia dúzia de cliques, porém, deixavam claro que a banda não apenas já contava com quatro discos, como tinha repertório para se sentir à vontade entre os gigantes da música pesada. A boa impressão é confirmada pelo novo disco, Hollow Bones.



Em pleno 2016, o quarteto de Long Beach oferece rrrock – e só. Sem truques, sem misturas, sem nada que lhe dê um ar de contemporaneidade. Um vocalista poderoso e um instrumental invocado são suficientes para o Rival Sons convencer. Senão pela energia, pela proeza de não soar caricato mesmo explorando um gênero que 1) teve seus cânones escritos há quase 50 anos e ninguém nunca mais vai fazer igual e/ou melhor e 2) envelheceu tão mal. Diante de retrospecto tão desfavorável, o grupo adota a única postura digna. Ou seja, dá de ombros e desce o pau.



As referências se empilham e se cruzam assim que os acordes da faixa-título irrompem na abertura do álbum. É Led Zep­pelin, sensação reforçada pelo jeito sexy & selvagem de Jay Buchanam expelir os versos, qual um Robert Plant com os hormônios desregulados. Mas é também Free, Deep Purple, Bad Company; enfim, um monte de gente boa que assinaria faixas como “Tied Up”, “Thundering Voices” ou “Black Cof­fee” sem pestanejar. Afinal, trata-se de uma questão muito mais importante do que originalidade: alguém tem que manter acesa a chama do rock-é-rock-mesmo depois que os dinossauros forem completamente extintos.

Sábado chapado
E já que o assunto é música agressiva para ouvidos sensíveis, todos os caminhos levam à Célula neste sábado para o primeiro Medusa Stoner Festival. O covil de Florianópolis abre suas suntuosas e nababescas instalações para quatro representantes da cena stoner rock nacional: Hammerhead Blues (SP), Space Guerrilla (RS), Red Mess (PR) e, fazendo as honras da casa, os mineiros radicados na cidade Muñoz Duo. Ingressos a partir de R$ 20 (primeiro lote). Mais detalhes aqui.




 ANÇAMENTOS



Seletores de Frequência, SF – A banda que acompanha B Negão dá um tempo nas ladainhas do rapper com este EP todo instrumental, em que mostra a força de seu groove. São quatro temas despretensiosos, transitando entre funk, afrobeat e suíngue brasileiro. Baixe-o gratuitamente no Bandcamp do grupo.



Garbage, Strange Little Birds – Vamos falar a verdade? O grupo da vocalista Shirley Manson sempre foi segunda divisão e, não fosse o estouro do grunge, não ocuparia mais do que um rodapé na história. O problema é que faz 20 anos que isso aconteceu e hoje, por melhor que seja (não é) seu novo disco, talvez não haja mais tanta gente disposta a lhe dar outra chance. Cansou.



(coluna publicada hoje no Diário Catarinense)

20160607

Orgulhoso, negro e gay

O problema dos lançamentos que vêm carimbados como “de minoria” – inclusive para os autores – é que, não raro, a música fica em segundo plano. Tanto para crítica e mercado quanto para artista e público, não há como discernir até que ponto a orientação sexual, a cor da pele, a fé religiosa ou a convicção política influenciaram na receptividade do disco. A estreia de Rico Dalasam, Orgunga, reacende esse dilema: o cara é bom mesmo ou só está sendo badalado por causa da homossexualidade que permeia cada aspecto de sua obra?

Ex-cabeleireiro de Taboão da Serra (SP), o rapper de 27 anos despontou em 2015 com o EP Modo Diverso, do qual o single “Aceite-C” pregava “que ainda dá tempo de ser quem se é, tempo de ser quem se quer, assim sem se importar”. A mídia louvou a audácia, a militância adorou a postura. Mas sobre o som, nada. Passado o deslumbre inicial, seu primeiro álbum completo já não conta mais com o apelo expresso no título – junção de orgulhoso, negro e gay – como novidade. O que interessa agora é conferir se o artista sobrevive às bandeiras que levanta.



A resposta é sim, com ressalvas. Orgunga chega todo trabalhado no luxo, alinhado com as vertentes mais modernas e exibindo batidas que saem do rame-rame do gênero (“Mili Mili”, “Riquíssima”). Pelo menos uma faixa, “Dalasam”, gruda de imediato na cabeça, característica que não deve ser desprezada se o negócio é atingir as pessoas. Entre os poréns, a produção em excesso deixa tudo meio poluído e cansativo. E, ainda que se trate de um estilo em que o discurso importa mais do que a técnica, bem que o vocal podia ser mais caprichado. Faltou pouco para lacrar.

Ressaca produtiva
Baixista do Primus, Les Claypool fez barulho nos anos 1990 com “John The Fisherman”, um dos hits improváveis daquela década. Filho do beatle, Sean Lennon trocou o mimimi indie da carreira solo pela lisergia da dupla The Ghost of a Saber Tooth Tiger. Com a cabeça cheia do vinho produzido pelo primeiro, os dois botaram a ressaca para correr formando o The Claypool Lennon Delirium. O projeto faz juz ao histórico de ambos e às circunstâncias em que foi criado com Monolith of Phobos, um disco encharcado de psicodelia, experimentações e algumas rebordosas causadas pela ingestão desmedida da bebida.




 ANÇAMENTOS



Ladyhawke, Wild Things – A cantora neozelandesa virou algo bem diferente do que a classe e a aderência (não necessariamente nessa ordem) de  “Paris is Burning” sugeria em 2008. Em seu terceiro disco, ela abdicou da dance alternativa (ou “indietrônica”) e partiu para o pop fácil de “Let it Roll”, disputando um nicho em que vai ser difícil distingui-la das Carly Rae Jepsen da vida.



Da Caverna, Psychopunk Flower Tainha – Letras sacanas, rock básico e demonstrações de sua origem manezinha compõem o mote do trio de Florianópolis. A coluna confessa que prefere algo mais sutil, mas quem procura apenas diversão descerebrada vai encontrar aqui bons motivos (“Surraxco”, “Sereia”) para aloprar.



(coluna publicada hoje no Diário Catarinense)