20160315

Das vantagens da alienação

O fã espera. A crítica cobra. O mercado observa. Ainda sob o impacto das últimas micaretas dominicais, a música brasileira tateia em busca de um norte. Aturdida, vasculha o baú da História à procura de exemplos de como agir sem passar vergonha nem causá-la em terceiros. E encontra na maior banda deste pedaço da periferia do mundo – Os Mutantes – um jeito claro e inequívoco de se posicionar em meio à cegueira generalizada, em que quem tem olho é considerado monstro: contra a desinformação e o golpismo, escapismo e alienação.

A militância involuntária do trio paulistano eclodiu com tudo durante o Festival Internacional da Canção de 1968, quando acompanhava Cae­tano Veloso. Vaiado pelo público durante a execução de É Proibido Proibir, o baiano deu um discurso que já nasceu antológico. Vocês são a mesma juventude que vai sempre, sempre, matar amanhã o velhote inimigo que morreu ontem! Vocês não estão entendendo nada, nada, nada, absolutamente nada, bradou (ouça abaixo). Enquanto o bicho pegava, os Mutantes mergulhavam cada vez mais fundo em uma jam interminável, como se aquele situação à beira do surrealismo não afetasse nem um pouco sua energia e loucura.



Em 2000, perguntei a Rita Lee, ex-vocalista do grupo, de que forma eles encaravam o ambiente pesado de então. Estar na contramão de tudo naquela época era fundamental para sobreviver. Expandir a mente nos dava a maior sensação de liberdade possível dentro de repressões vindas de todas as direções. Era necessário ser alienado para não se contaminar com a depressão vigente, valia tudo para furar o bloqueio e partir para o arco-íris, lembrou a cantora. Pode não ser a melhor postura diante da situação atual, que muitas vezes exige atitudes extremas, mas é mais sensato do que pregar o retrocesso.



Rush de Amor à Ilha
Prestes a completar 343 anos no próximo dia 23, Florianópolis vai ganhar uma homenagem de artistas locais. Livremente inspirada no hino da cidade, a música chama-se Rush de Amor à Ilhae conta com vocais de ninguém menos do que Gazu, em seu primeiro trabalho depois que deixou o Dazaranha. Os créditos trazem também velhos conhecidos do submundo sônico-manezinho, como Jean Mafra (ex-Samambaia), André Seben (Dr. Jorge & Mr. Seben), Adriano Barvic (outro ex-Dazaranha), Cisso (Casablanca) e Jean Gengnagel (ex-Motoramma). Sou vagabundo do avesso/ Num pedacinho de terra, pago o preço que posso/ Eu vivo o feio e o belo/ Na tela: o riso amarelo; na cara: amor e desgosto, diz o cândido refrão. Mais detalhes daqui a pouco.


 ANÇAMENTOS



Charles Bradley, Changes – No Brasil, traições, desilusões e dores de cotovelo rendem hits sertanejos. Nos EUA, irrigam o soul extemporâneo deste cantor que estreou aos 54 anos, em 2002, e não parou mais de castigar corações com sua voz rascante. O que ele faz com o clássico do Black Sabbath que batiza seu novo disco é de restabelecer a fé na humanidade.



Mexrrissey, No Manchester – Os dilemas que Morrissey cantava nos Smiths sempre tiveram algo de drama mexicano. Isso transparece nos sucessos do grupo e da carreira solo do vocalista vertidas em roupagem mariachi. Por mais inusitado que pareça, o negócio funciona em lamentos como Estuvo Bien(Suedehead) ou Cada Dia És Domingo(Everyday is Like Sunday). ¡Arriba!



(coluna publicada hoje no Diário Catarinense)

Nenhum comentário: