20160223

Em busca do próprio estilo

Em duas temporadas no programa The Voice, o catarinense Dudu Fileti interpretou Bruno Mars, Raul Seixas, Freddie Mercury e The Police. Esse ecletismo continua em seu disco solo, Amizade, mas com foco mais apurado. Que o artista nascido em Armazém tem uma voz privilegiada, não havia dúvida. A questão era se ele já tinha descoberto o que cantar para encontrar um estilo próprio – uma pergunta que que começa a ser respondida em sua estreia fonográfica, na qual mira em menos alvos em vez de atirar para tantas direções como fez no concurso de talentos televisivo.



Muito dessa impressão passa pela onipresença do compositor e músico Alegre Corrêa no álbum. Autor de nove das 11 faixas (com diferentes letristas), o gaúcho radicado em Florianópolis traz para o repertório de Fileti a sonoridade com que construiu sua elogiada carreira, calcada em uma MPB suave e adulta, sem se render a fórmulas fáceis nem nunca perder de vista a noção de beleza. Tudo é muito bonito em Amizade, movido por violões que insinuam de moda caipira a milonga em “Pepe”, “Rio Vermelho” e “Vai Fazendo”.

O pop com potencial radiofônico fala mais alto com o sambinha que balança “Senhora das Cabeças”. No embalo, “Quero Ouvir o Verde” mantém a vibração lá em cima, com a garganta segura de Fileti tabelando com os repentes de Lamarca. O disco fecha com uma versão de “Trem das Onze” que embute os riscos de mexer em um clássico como o de Adoniran Barbosa. Bem ou mal, a tentativa traduz o esforço que o ex-vocalista do grupo Zawajus empreende em todo o disco para se livrar do estigma de “cantor de baile”.

Pop pós-depressão
Já vazou nos melhores casas do ramo Post Pop Depression, o disco de Iggy Pop gravou com o guitarrista Josh Homme, do Queens of Stone Age, previsto para março. Completam a formação o baixista Dean Fertita (do grupo de Homme) e o baterista Matt Helders (Arctic Monkeys). Esse time se reuniu para realizar, segundo Pop, uma “sequência espiritual” de Lust for Life, seu álbum de 1977 produzido pelo parceiro recém-finado David Bowie. De fato, não há como não ouvir ecos da obra citada em canções como “Gardenia”, “American Valhalla” e “Sunday”, em que as supostas influências dos grupos dos envolvidos são soterradas pelo canto amargo do velho iguana.



Mais grave é Leaves of Grass, projeto em que Pop declama poesias de Walt Whitman sobre texturas bordadas pelos alemães Alva Noto e Tarwater. Para alguém que ficou famoso rosnando que queria ser seu cão agora devanear sobre folhas na relva, é porque o baque pela perda foi forte.



 ANÇAMENTOS



Tricky, Skilled Mechanics – O veterano inglês volta para um 11º disco como se o trip hop que o tirou do anonimato não estivesse datado. A exemplo dos chapas do Massive Attack, que acabam de retornar com um EP (do qual ele participa, aliás) a desafiar o tempo, Tricky esbanja atmosferas e climas ora pendendo para o lado soturno, ora propondo alternativas mais reflexivas para as pistas. É na segunda situação que vem o melhor argumento para convencer as novas gerações de que ele merce atenção, a infalível “Hero”.



Emapea, Seeds, Roots & Fruits – Um polonês com um disco chamado Sementes, Raízes e Frutos não deixa opção que não investigar o que ele anda botando para dentro da cabeça. Hip hop, acid jazz, reggae e outros quitutes instrumentais dividem a poção, em uma receita que dispensa maiores detalhes para provocar efeitos brisantes. É apertar o play e, no máximo, elocubrar sobre o impacto da globalização, as facilidades da tecnologia e a época interessante em que vivemos.



(coluna publicada hoje no Diário Catarinense)

Nenhum comentário: