20151009

Nosso sonho não vai terminar

Não existiria som se não houvesse o silêncio, luz se não fosse a escuridão, Anitta se Claucirlei Jovêncio de Souza não tivesse saído do Morro do Salgueiro como Buchecha. Exagero, claro. Mas, há quase 20 anos, o apelo pop do cantor ajudou demais a pavimentar o caminho para que o funk carioca conquistasse a burguesia do asfalto. Comprove com seus próprios olhos, ouvidos e quadris no domingo em Blumenau (em show promovido por uma marca de cerveja “em local paradisíaco e totalmente em segredo, que será revelado somente 24 horas antes da festa pelas redes sociais”) e no dia 25 em Florianópolis, no P12, ambos a partir das 14h.

Surgida em 1996 com o clássico imediato “Nosso Sonho” – a música que fez o Animal Edmundo chorar feito criança ao vivo na TV –, a dupla dele com Claudinho foi empilhando um hit atrás do outro: “Conquista” (“sabe, tchurururu...”), “Quero te Encontrar”, “Meu Compromisso”, “Só Love”, “Xereta”... A gente não sabia do que gostava mais. As coreografias. O problema de dicção de Claudinho (o mesmo de Cavuva). As figuras de linguagem usadas com simplicidade e as palavras difíceis que Buchecha caçava no dicionário para dar aquele tchan nas letras. Eles ensinaram a toda uma geração o valor de uma metáfora (“controlo o calendário sem utilizar as mãos”) e o significado de “adjudicar”.



Tive o privilégio de entrevistá-los quando do lançamento de seu segundo disco, A Forma, em 1997. Rumo ao milhão de cópias vendidas, eles ainda se hospedavam em um três estrelas nas imediações da Augusta, em São Paulo. Queridíssimos. Na minha empáfia de crítico musical, perguntei de onde vinha aquela inspiração no Philly Sound, o soul sofisticado feito pela rapaziada da Filadélfia na década de 70. “Fili o quê?”, perguntou Buchecha, sem ter a menor ideia do que eu estava falando. Ali percebi que o talento deles era totalmente instintivo.



Com a morte de Claudinho, em 2002, Buchecha seguiu em carreira solo. No entanto, nunca mais repetiu o sucesso dos tempos em que formava ao lado do amigo e parceiro. Em 2012, ainda conseguiu um brilhareco com “Hot Dog”, da trilha da novela Avenida Brasil. Agora, chegou o momento de ser recompensado por ter aberto a porteira para que poderosas, bondes e MCs se tornassem estrelas. Hmmm, pensando melhor, talvez não.

De admirar
Como não há nada mais antigo do que o passado recente, o !!! (pronuncia-se “chk chk chk”) tinha tudo para facilmente ficar datado. O indie-dance-punk da banda californiana bombou forte no começo do século e os colocou no mesmo escaninho que LCD Soundsystem e Rapture. Nenhuma das dois existe mais, mas o grupo chega ao sexto disco, As If, como se fosse imune aos efeitos do tempo. É a mesma onda dos anteriores e é por isso que ainda soa tão moderno, descolado & outros adjetivos utilizados quando se quer ressaltar o quanto algo está à frente de sua época. Ouça “Sick Ass Moon”, “Freedom! ’15” ou “Til the Money Runs Out” e imagine estados interessantes na pista.



(coluna publicada hoje do Diário Catarinense)

Nenhum comentário: