20150529

Parem de maltratar o legado de Raul



Pobre Raul Seixas. Belo personagem, dono de uma história de ascensão e declínio com excessos nas duas pontas. Baita artista, ícone do rock à brasileira, um estilo mestiço como o original, com o acréscimo de ingredientes locais na poção. Vinte e cinco anos depois de sua morte, foi reduzido a um tipo folclórico, anacrônico, alvo mais de chacota do que de reconhecimento. O DVD O Baú do Raul – registro de um show-tributo em alusão à data gravado ao vivo pelo Canal Brasil na Fundição Progresso, no Rio de Janeiro, em 19 de agosto do ano passado – chega para reforçar essa situação.

Quando a filha caçula do homem, Vivi, dá início ao espetáculo declarando “toca Raul”, é melhor se considerar avisado: o que vem por aí quase sempre interessa apenas aos herdeiros do homenageado, aos participantes e aos fãs deles. O grupo de Raulzito, Os Panteras; o colega na tresloucada Grã-Ordem da Sociedade Kavernista, Edy Star; e o discípulo-mór Marcelo Nova até emprestam alguma legitimidade para a coisa, valor histórico & tal. E só, porque suas versões das músicas do ídolo soam tão chumbregas quanto as dos convidados que caíram ali de paraquedas.

Por certo, todos estão sendo sinceros em sua admiração pelo “maluco beleza”, principalmente nos clichês. Mas a visão de Tico Santa Cruz com uma capa igual à usada por Seixas no disco A Pedra do Gênesis desafia qualquer noção de tolerância. Ele também aparece nos extras, que deveriam se chamar “ônus-tracks” por conter ainda nomes do naipe de Forfun. Pior que não é a primeira vez. Em 2004, a viúva Kika uniu-se ao canal Multishow na produção de um show-tributo para marcar os 15 anos sem o ex-marido, batizado de O Baú do Raul e com o acima citado no elenco.

Enquanto há dois projetos autorizados com o mesmo nome, o mesmo propósito e o mesmo detonauta, salvo o documentário Raul - O Início, o Fim e o Meio (2012) não existe nenhuma biografia de respeito, escrita ou filmada. A razão dessa lacuna em uma trajetória que permite tantos recortes – a experiência como diretor artístico de gravadora, a fase mística, a lenta decadência – tem muito mais a ver com o mundo dos vivos do que com eventuais forças ocultas despertadas no tempo da Sociedade Alternativa. Procure saber.

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O QUÊ EP do Metá Metá
POR QUÊ O registro em estúdio de três versões personalíssimas de músicas já tocadas em shows funciona como uma prévia do terceiro disco do grupo. “Atotô” foi gravada no disco Padê, dividido pelos integrantes Juçara Marçal e Kiko Danucci em 2007. Composta por Edgar Scandurra, “Me Perco Nesse Tempo” ficou conhecida pela interpretação d’As Mercenárias, quarteto pós-punk feminino paulistano dos anos 80. E “Sozinho” é um samba de Douglas Germano travestido em roupagem acústica. Tudo bem torto, como convém a uma das bandas brasileiras mais instigantes da atualidade.
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(coluna publicada hoje no Diário Catarinense)

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