20150417

Crentes de que estão fazendo a coisa certa

Disco gravado, lançamento marcado, show agendado. O segundo CD do carioca Jonas Sá estava quase pronto para virar realidade em julho de 2014. Faltava somente um detalhe: prensá-lo. O material foi levado a uma fábrica, que o recusou. Em outra, também recebeu um não como resposta. Na terceira, idem. O drama só terminou em março, depois que a Ponto4 Digital aceitou o trabalho. Enfim Blam! Blam! saiu, revelando a razão para o atraso – que, se fosse apenas cronológico, não daria tanta dor de cabeça aos envolvidos: a capa.



A arte do álbum, criada por Júlia Rocha a partir de foto de Jorge Bispo, expõe o baixo ventre de uma negra (a modelo Anna Raulina) em todo o seu esplendor. Inspirado no pornô barato dos anos 70 e 80, o encarte feito pelo designer argentino Molokid é composto de colagens de mulheres com seios à mostra e dois homens nus, um dos quais com o membro ereto. Os fabricantes procurados negaram o serviço alegando que coxas, umbigo, púbis, pelos, peitos e pênis poderiam chocar a clientela religiosa, atualmente a maior consumidora de mídia física.

Entendeu? Ainda que não seja prudente desprezar o poderio de um segmento capaz de provocar mudanças no enredo da novela das nove se alguma cena afrontar seus princípios, a atitude não teve relação com moralismo. O que moveu a censura foi grana – ou o medo de perdê-la caso o público gospel começasse a cancelar encomendas de um fornecedor por considerá-lo obsceno. Na boa, até desanima falar da manha de Sá em casar balanço black com eletrônica, bancando Prince no falsete liberal de músicas tipo “Sexy Savannah” e “Gigolô”. Melhor admitir que o mundo agora “é assim mesmo” e descolar um daqueles livros de colorir para pintar como eu pinto.

DATAS QUADRADAS ||||||| 28 ANOS
O QUÊ A estreia da banda paulistana Gueto, com o disco Estação Primeira, em 1987.
QUEM Quatro garotos da zona norte que sempre gostaram de um suíngue forte.
POR QUÊ No Brasil de então, não tinha essa de fusão, mistura, crossover. Rock era coisa de banda. Hip hop era “break”. O grupo foi um dos pioneiros em promover a junção de universos que não se topavam, ensaiando o que anos mais tarde e por meio de outros artistas estouraria como funk-metal.
LEGADO Soul, samba, heavy & rap de bamba emoldurados pelos scratches do convidado DJ Marlboro e espalhados em pedradas como “G.U.E.T.O.”, “Você Errou”, “Uma Estória” ou na faixa-título.



(coluna publicada hoje no Diário Catarinense)

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