20150206

Nivelados pela velhice



A ideia de Bob Dylan cantando Frank Sinatra era tão insólita que dava até medo. Ambos simbolizam polos opostos na cultura pop. Um, jovem, proletário, oposição. Outro, coroa, burguês, situação. Mas a velhice os nivelou. Aos 73 anos, Dylan tornou-se uma instituição tão americana quanto a torta de maçã, as fraternidades universitárias e Sinatra, morto em 1998, aos 82. Por isso, o recém-lançado Shadows in the Night não tem nada de bizarro. É só um disco de um tiozinho interpretando músicas gravadas por outro tiozinho.

O que evitou maiores constrangimentos foi a decisão sensata de Dylan de não tentar parecer Sinatra. Em vez de clichês, o bardo selecionou canções registradas entre as décadas de 1940 e 1960 pelo artista que imortalizou “New York, New York”, “My Way” e “Strangers in the Night”. Também não quis bancar o crooner – e nem poderia, com sua voz, digamos, peculiar. Por fim, trocou as orquestrações originais por arranjos enxutos, com guitarra steel (tocada com um cilindro nas cordas), baixo acústico e percussão de leve.

Essas escolhas forjaram um álbum de uma placidez quase bovina. A banda engata uma toada na primeira faixa “I’m a Fool to Want You”, e segue na mesma pelas nove seguintes, sem nenhum pico que lembre por que Dylan é tão grande. As músicas dele já abasteceram revoluções e influenciaram meio mundo. No entanto, como o próprio já bradava em 1964, os tempos estão mudando. Em Shadows in the Night, viraram a trilha sonora perfeita para aquele domingo preguiçoso em que a gente inventa de arrumar as gavetas.

Só piora
O CD duplo Chacrinha - O Musical, com canções que inspiraram o espetáculo teatral escrito por Pedro Bial, mostra como o mainstream brasileiro empobreceu. O programa do “velho guerreiro” na TV sempre foi uma vitrine do que de mais popular rolava nas rádios. Em mais de 30 anos no ar, pela sua discoteca e, depois, cassino, passaram de tropicalistas (Gil, Caetano) a bregas (Waldick Soriano, Wando), de roqueiros (Raul Seixas, Legião Urbana) a sambistas (Clara Nunes, Elza Soares), de rebolativas (Gretchen, Lady Zu) a cinturas-duras (Nelson Ned, Gonzaguinha). Qualquer comparação com as paradas atuais, monopolizadas pelo gosto duvidoso, é pedir para se aborrecer.



TEM QUE CONHECER ||||||| WALTER WANDERLEY
O pernambucano Walter Wanderley fez parte da leva de brasileiros que, motivada pelo boom da bossa nova nos Estados Unidos, mudou-se para lá nos anos 1960. Naquele país, sua música, puramente instrumental, recebeu o devido valor. A partir do disco que gravou com Astrud Gilberto, A Certain Smile, A Certain Sadness (1966), o organista se consolidou na cena do brazilian jazz e seus timbres passaram a ser cada vez mais reconhecidos e requisitados – como pelo catarinense Luiz Henrique, com quem dividiu o álbum Popcorn em 1968. Morreu em 1986.



(coluna publicada hoje no Diário Catarinense)

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