20141031

De astro do gueto a rival de Guetta



(coluna publicada hoje no Diário Catarinense)

Na música que abre seu novo disco, Calvin Harris canta que precisa de um pouco de fé. O ouvinte também. Para acreditar que Motion, o quarto lançamento do escocês, não vai ficar só naquela dance music farofa. “É pedir demais?”, continua a letra. Considerando que foi a rendição aos piores clichês do gênero que o transformou no DJ mais bem pago do mundo nos últimos dois anos, a resposta é afirmativa. Mas, sabendo do que ele é capaz, um rotundo “não” – o que deixa tudo mais lamentável.

Harris apareceu em 2007 botando banca. Batizou sua estreia com I Created Disco e se garantia com baixões gordos, batidas quentes e falsetes afetados. Nos dois lançamentos seguintes, quanta diferença: movido pela eletrônica engomadinha de “Feel So Close”, o álbum 18 Months (2012) emplacou nove singles entre os Top 10 da parada inglesa, superando o recorde de Michael Jackson. Milionário antes de completar 30 anos, o cara que era um segredo do gueto havia se tornado concorrente de (David) Guetta.

Como aquele amigo que depois que ganhou dinheiro revelou-se outra pessoa, Harris mudou de hábitos, gostos & companhias. A pressão de “Slow Acid” e a vibração das garotas do Haim em “Pray To God” são exceções, quase concessões a um passado alternativo que parece não lhe despertar a menor saudade. Hoje, sua turma é a mesma de Rhianna (com quem já gravou), Big Sean e Gwen Stefani (que participam de Motion). Se era com isso que ele sonhava, beleza. Comovida pela preferência, a moçada dos beach clubs agradece.

Acima do bem e do mal
A inquietação artística e o reconhecimento tardio conferiram a Tom Zé uma certa aura de “intocável”. É nessa condição que o baiano chega a mais um disco, Vira Lata na Via Láctea, no qual reúne velhos amigos (Milton Nascimento), ex-desafetos (Caetano Veloso) e novas descobertas (Criolo, O Terno). O repertório vai da gaiatice evidente de “Papa Perdoa Tom Zé” e “Banca de Jornal” à falsa ingenuidade de “A Boca da Cabeça”. Vindas de outro artista, poderiam soar meio ridículas. Pela boca de um senhor de 78 anos, são um atestado de vitalidade.

 

Chora, Armandinho
Foi confirmado o que muitos já esperavam: Santa Catarina não terá Planeta Atlântida em 2015. O festival sempre refletiu o mainstream da música nacional. Como este custa para se renovar e, quando o faz, é com artistas cada vez mais duvidosos com sucesso cada vez menos duradouro, a “maior festa do verão catarinense” acusou o golpe. Do jeito que estava, não dava para continuar. Era testar outro formato ou acabar. Acabou.

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