20120410

CAP 1 | A caminho das Índias

Da curva do Saí-Guaçu às nascentes do Mampituba, da ponta dos Ingleses à confluência dos rios Periguaçu e Uruguai, todos os caminhos levam à Ressacada no dia 25 de abril – e não será para ver o Avaí, aquela naba. Desde o anúncio do show de Paul McCartney no único estádio do mundo e região com estacionamento para aviões, Florianópolis vive a expectativa de receber o beatle para o maior espetáculo da história de Santa Catarina. O que pouca gente sabe é que Macca e os Beatles já estiveram no estado. Em um rasgo de reportagem, Fancaria e O Mundo Delirou juntaram forças para resgatar esta que é uma das mais obscuras e fantásticas passagens da trajetória da banda. 

All you need is Engov. 


Foi em janeiro de 1961. McCartney, John Lennon, George Harrison, Stuart Sutcliffe e Pete Best haviam recém-concluído sua segunda temporada em Hamburgo. A cidade alemã tinha lá seus atrativos, mas depois de 48 noites tocando no Indra Club e 58 no Kaiserkeller, tudo o que os cinco precisavam era relaxar. Queriam estar tinindo para encarar seu próximo compromisso: a estreia no Cavern Club, na sua Liverpool natal, marcada para 9 de fevereiro.

As sugestões para ocupar o tempo livre variavam. McCartney pretendia ir para Londres, “tomar um banho de civilização”. Lennon preferia ficar em casa. Best, como todo baterista, concordava com o que decidissem. O caçula Harrison falou por último.

— Sonhei que íamos para a Índia — disse, apontando o braço de sua inseparável guitarra para o Leste.

— O moleque pirou! — reagiu McCartney, em um misto de despeito e curiosidade. Em três anos de convivência, ele aprendera a enxergar em Harrison o potencial para se tornar o “guitarrista com ar místico” indispensável para toda banda se dar bem. — Como iremos chegar lá?

Então Harrison contou-lhes seu plano. Manhã sim, manhã não, um navio da companhia Hoepcke partia para Calecute, na costa ocidental indiana. A passagem custava 25 marcos por cabeça, menos do que costumavam gastar em bebidas em uma gig animada. A bordo, teriam tempo para descansar e, conforme a inspiração, arriscar suas primeiras composições.

— E o que vamos fazer na Índia, o “de menor”? — O sarcasmo de Lennon não escondia sua expectativa.

— Transcender — esclareceu Harrison, com a bonomia de quem descobriu as Quatro Nobres Verdades antes de completar 18 anos.

O silêncio geral provocado pela resposta despertou Sutcliffe, que resolveu enfim se manifestar. Chamou os quatro de goiabas, acusou Lennon de bullying e disse que por nada trocaria a quentinha cama hamburguesa que dividia com a namorada Astrid Kirchherr por uma úmida cabine de terceira classe lotada de aspirantes a hooligans ansiosos por desembarcarem em um país subdesenvolvido em busca de sentido para as suas desprezíveis existências.

O cara pegou tão pesado que, só de pirraça, Best apoiou a ideia de Harrison, sendo logo imitado por Lennon e McCartney. No outro dia, os quatro madrugaram no porto para uma aventura que causaria impactos profundos em suas carreiras e em suas vidas. Sutcliffe, coitado, morreria de hemorragia cerebral em abril do ano seguinte sem nem desconfiar do que havia perdido.

Nenhum comentário: